sábado, 27 de fevereiro de 2016

Vida paralela

Como previsto pelo app, a menstrução veio na sexta-feira. Então hoje, sábado, teve início novamente a nossa vida paralela. Às 6h50 saímos de casa e fomos para a nova clínica na Barra. Fiz um exame de sangue no primeiro andar - pelos meus cálculos, desde 2013 já fiz mais de 45 exames de sangue - e rapidamente fomos atendidos no Centro de Fertilidade. E não demorou nada para que viesse uma péssima notícia. Uma notícia que eu não imaginei dentro dos possíveis cenários: estou com um cisto residual de 2 centímetros no ovário esquerdo e terei que tomar um remédio anticoncepcional por 14 dias - quatorze dias! - para que ele talvez seja absorvido pelo meu organismo.

E eu esperava até não ter óvulos, mas não esperava que um cisto fosse atrasar o início do tratamento por 14 dias. Logo quando eu tirei férias para fazer tudo com calma. Eu não posso, mesmo, ter nem um pouquinho de sorte. Tentei me segurar, mas comecei a chorar na frente da médica que fez a ultra e que eu havia acabado de conhecer. Me senti uma idiota, mas não consegui me controlar. Fui ao banheiro para tentar enxugar as lágrimas - não queria sair com cara de choro na recepção e assustar as mulheres que esperavam - mas não sei se deu muito certo.

E agora sigo com a vida paralela, sem falar para ninguém que isso aconteceu, fingindo estar tudo bem quando alguém vem falar comigo.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Novos medos

Estou no 24o dia do ciclo. Como meus ciclos têm se mantido regulares, média de 26 dias, devo menstruar na sexta-feira ou no sábado (é o que indica o app). Isso significa que estou a poucos dias de dar início à preparação para mais uma FIV. Na prática, a quarta fertilização que vamos tentar. Porque, embora tenham sido somente duas implantações no ano passado, foram três internações para coleta de óvulos.

E dessa vez será tudo feito em um nova clínica, não sei se os procedimentos serão os mesmos, sequer conheço as instalações, pois a clínica é na Barra e o consultório é em Copacabana. Dessa vez, estou com novos medos, entre eles:


  • Zika. Estou com medo de ter tido zika assintomática há menos de 30 dias, de pegar zika durante o processo, que o Emanuel tenha tido zika, que ele pegue zika, que a zika seja transmissível pelo suor e saliva, que passar repelente de manhã não seja suficiente. Muito medo de zika. Se eu não tivesse baixa reserva ovariana, o médico indicaria adiar o processo por um ou até dois anos. Mas eu não tenho tempo a perder e não há garantia de que a situação estará melhor daqui a seis meses, por exemplo. 
  • A mudança de médico. Foram quase dois anos com o médico e a clínica anteriores. Embora estejamos certos dessa decisão, escolher um novo médico traz muitas inseguranças e incertezas. Será que estamos fazendo a melhor opção? 
  • Vou aguentar mais uma vez? Nem comecei a preparação e a ansiedade já está a mil. Já estou com medo de esquecer uma injeção, tomar uma dose errada, perder alguma data ou errar alguma contagem. 
  • Será que vou ter óvulos? Quão rápido pode estar evoluindo (na verdade, sendo gasta) a minha já baixa reserva? Passaram-se seis meses desde a última FIV. Será tempo suficiente para eu ter ainda menos óvulos do que antes? Me dá muito medo isso, porque dependendo da minha resposta a esse estímulo, pode ser um passo para a necessidade de ovodoação.
  • O negativo, claro. Mas esse é um medo já antigo, que me visita a cada mês nos últimos três anos.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

Desafio da maternidade

Se eu fosse embarcar no "desafio da maternidade" que está rolando no Facebook, as minhas três fotos poderiam ser:
- Fazendo exame de sangue;
- Emanuel me dando uma injeção na barriga;
- De touca na sala cirúrgica esperando a implantação do embrião.

Porque esse é o meu verdadeiro desafio da maternidade. Também poderia postar uma foto dos nossos quatro lindos embriões que não se desenvolveram; da sala de espera da clínica com a TV com a contagem dos bebês que nasceram; dentro da cabine do banheiro do trabalho aplicando uma injeção; em Petrópolis, para onde fomos fugir às vésperas do resultado da primeira FIV; uma foto dos diversos exames que fiz nos últimos 41 ciclos, todos negativos.

Será que alguém ia curtir?

A falta de empatia

Quarenta e um ciclos. Isso dá, aproximadamente, 3,4 anos anos. Quase três anose meio de negativos. Todo mês tendo uma má notícia. E ouvindo e lendo coisas que não contribuem muito superar o que significa ter dificuldade para engravidar. A verdade é que, como o tema é um tabu, as pessoas não sabem o que dizer. Não que elas sejam culpadas por isso. Mas que falta empatia, ah, isso falta, até porque problemas de fertilidade não são uma questão de quem ninguém nunca ouviu falar. Só que, como resultado disso, eu acabo preferindo não falar com ninguém sobre o assunto.

Porque ouvir de uma amiga "Ah, é muito normal não dar certo na primeira tentativa" quando você conta que fez uma FIV não traz nada de bom. É claro que sim, é normal, as estatísticas não mentem, mas é também terrivelmente doloroso, imensamente triste, além de frustrante e desgastante - somente para usar alguns adjetivos que se aplicam ao momento. 

Talvez não traz nenhum conforto escutar de outra pessoa que talvez a fertilização não seja o tratamento mais adequado, que talvez tenha sido uma indicação médica precipitada e com vistas ao lucro. Precipitado para quem? Questionar nossa opção pela FIV é questionar nossa capacidade de decidir, é duvidar da nossa lucidez. É nos chamar de exagerados, achar que não nos esforçamos o suficiente, que a culpa não é dos nossos hormônios e aparelhos reprodutores, mas da nossa cabeça - imatura, ansiosa, infantil. É dizer que, se fôssemos mais emocionalmente inteligente, teríamos conseguido uma gravidez natural. Sem dúvida que, num processo como esse, a inteligência emocional é importante pra caramba. Mas poxa, porque haveríamos de nos boicotar dessa forma?Por que nossas mentes não contribuiriam para que conseguissemos realizar o maior sonho de nossas vida? E talvez, sim, eu seja fraca, ou sejamos fracos. Mas ouvir isso não consola.

"Tenho uma amiga que está passando exatamente por isso."Assim, exatamente, exatamente é muito difícil que seja. São inúmeras as combinações de  fatores que levam à infertilidade conjugal. E é bastante improvável que sua amiga e o marido tenham as mesmas questões. Generalizar é sempre complicado.

"Um casal de amigos tentou por 10 anos e engravidou naturalmente depois que desistiu". "Minha prima engravidou no memso mês em que adotou uma criança." Fico, de verdade, e não é hipocrisia, feliz por esses casais. E ficaria muito feliz se acontecesse com a gente. Só que isso ajuda a alimentar falsas esperanças. Porque a verdade é que só se falam dos casos bem-sucedidos. Ninguém quer ficar contando a sua história de fracaso. 

Não existe um consolo e nem um conselho ideal. Mas o melhor é que o interlocutor pode fazer é escutar. Colocar-se à disposição. Ter cuidado com o que fala. Fazer perguntas e aceitar não-respostas. Falar de outro asunto quando necessário. Caminhar ao lado.