terça-feira, 29 de novembro de 2016

A terceira via e o segundo sol

                     Sunset  in the boat

O último post ficou nos meus rascunhos por quase 20 dias. Realmente precisei dar um tempo do blog, de tudo. Na semana passada me atualizei rapidamente e já vi tantas boas notícias nos blogs das amigas tentantes. Que alegria! Escrever é a coisa que eu mais gosto de fazer e pretendo continuar atualizando o blog, mesmo que não consiga com tanta frequência. Sem contar que a rede virtual de solidariedade é incrível. Me emocionam todos os comentários, de meninas que nem me conhecem e estão torcendo por mim, mandando boas energias. É algo muito especial mesmo e com o qual não quero deixar de contar.

Há duas semanas tivemos uma reunião/consulta via Skype com a enfermeira do setor de Terceira Via da clínica de SP. Muito simpática, ela nos explicou um pouco mais detalhadamente todo o processo e esclareceu que existe sim uma fila de espera pela ovodoação - em novembro eram 87 casais - mas que não é necessariamente por "ordem de chegada", já que há outros fatores que são usados como critério. Se um casal asiático for o primeiro da fila, mas os óvulos doados disponíveis forem de uma mulher nórdica, eles serão destinados a um casal com esse perfil, mesmo que sejam os últimos da "fila".

É para casais com perfis mais específicos (asiáticos, nórdicos, indianos, por exemplo...) que o processo de seleção da doadora pode ser mais demorado e levar os tais seis meses que ela tinha comentado. No nosso caso, como estamos mais "na média" da população brasileira - pele morena, cabelos e olhos castanhos - costuma ser menos demorado.

A clínica começou o mês de novembro com 87 pessoas inscritas na fila para receber doação de óvulos. Até o momento, 20 já conseguiram um "match" e, em média, cerca de 40 por mês são contempladas com a ovodoação. Isso apenas numa clínica de São Paulo e em um mês. Multiplica por todas as clínicas do Brasil, soma com as do mundo e dá um número gigantesco de pessoas. Mas continua sendo um tabu, mundo afora.

Já preenchemos o nosso cadastro no mês passado e agora vamos aguardar o recebimento dos perfis que nos serão encaminhados. O setor de Terceira Via faz a seleção e envia para os candidatos de duas a três opções de dossiê de mulheres doadoras, que contém uma série de informações. Além das fenotípicas, outras como naturalidade e escolaridade. E, pasmem, há quem ainda parece acreditar na teoria de Lamarck e recusa perfis de mulheres nordestinas ou sem segundo grau completo. Definitivamente esse não é o nosso caso.

Inclusive, vamos optar por não ver a foto da doadora. Outra coisa que eu não sabia - e que também é diferente na embriodoação -  é que as fichas incluem uma foto da doadora quando criança. Achamos um tanto quanto esquisito esse procedimento. Sei que é improvável, mas vai que reconheço a pessoa? Não julgo quem precisa da foto pra fazer sua escolha. Mas pra mim é um pouco difícil entender o porquê dessa necessidade. Qual é a probabilidade de a criança da foto ser a "minha cara"? E outra: podemos ficar condicionados a achar que nosso filho será igualzinho à doadora criança. Sei lá, pode ser até que mude de ideia porque tudo muda tanto, mas, por enquanto, vamos dispensar a foto.

Outra questão que ainda desperta em mim muitas e muitas dúvidas é sobre contar ou não para as pessoas sobre a doação de óvulos, caso ela se concretize. Inclusive esse é um dos motivos pelos quais não mais atualizei o blog. Não consigo decidir o que farei caso consiga engravidar por meio da ovodoação. Por um lado, quero falar, ajudar (um pouquinho) a fazer com que isso deixe de ser um assunto Voldemort - aquele que não deve ser nomeado. Se não falar nada, já imagino os comentários "mas ele/a é a cara do pai", "não tem nadinha seu", "coitada, carregou 9 meses e saiu só a cara do pai" ou, ainda, caso não se pareça conosco "é filho/a do padeiro?", "não tem nada de vocês", "vocês eram assim quando nasceram? Mudaram muito." E por aí vai no rol dos comentários que costumam não importar pra maioria das pessoas.

Contando pras pessoas, talvez houvesse menos comentários desse tipo. Mas como é que faz isso? Faz uma tatuagem na testa? Bota um colar na criança? Posta no Facebook? Ou conta só pra familiares e amigos mais próximos e dane-se a opinião dos outros? Ou não conta pra ninguém? Pode ser caraminhola da minha cabeça, mas já imagino o carimbo do estigma.

Se optasse pela embriodoação, não teria dúvidas de que contaria para todo mundo - talvez não para aquela pessoa sem noção no meio da Lojas Americanas. Mas é mais fácil de explicar que adotamos um embrião do que falar que precisei de um óvulo doado. Ao menos pra mim. Pras outras pessoas que recorrem a alternativas pra conseguir engravidar eu não sei. Se sobre FIV ninguém fala, imagina ovo e embriodoação.

Tem horas - muitas horas - que cansa viver nesse mundo tão cheio de tabus. Queria dizer que vou ter coragem de, ao menos no meu universo, rompê-los. Porque a única coisa que importa verdadeiramente é o amor com que vamos criar nossos filhos. E que não interessa o que achem porque só eu e meu marido sabemos o que enfrentamos. Mas a verdade é que não sei se terei a coragem que gostaria.

domingo, 27 de novembro de 2016

Planos que não estavam nos planos

                                   Labyrinth

A vida é uma caixinha de surpresas, já diz o ditado-clichê. E se eu nunca imaginei passar por problemas de infertilidade, menos ainda pensava em tomar decisões alternativas para conseguir engravidar. Mas como, além de ser uma caixinha de surpresas, o mundo dá voltas, cá estou com um plano B e um plano C.

Na verdade o plano que agora é C chegou a ser o plano A, mas, bem, não é à toa que os clichês existem. Depois do último tombo, pensamos em desistir. Vimos que nosso embrião parou de se desenvolver no 5o dia, que realmente nossas chances são muito, muito pequenas. Eu e marido conversamos por telefone com o médico, que basicamente disse que poderíamos continuar tentando por nossa conta e risco, sabendo que as probabilidades de dar certo são ínfimas.

Eu, que inclusive já escrevi aqui que a ovodoação não era uma opção pra mim, aceitei algo visto por muitos como ainda mais radical - e menos falado: a embriodoação. Depois que vi uma reportagem sobre uma mulher que teve produção independente adotando embriões, fiquei refletindo muito. Pesquisei bastante e vi que é muito baixo o número de casais que optam por doar seus embriões excedentes e que, por isso, é enorme o número de embriões congelados nas clínicas - do Brasil e do mundo - que acabarão descartados ou congelados pra sempre. Geralmente o casal que disponibiliza seus embriões para doação é aquele que enfrentou muita dificuldade no processo e entende como poderá ajudar outras pessoas. É um gesto belíssimo. Mas não julgo quem não o faz - tudo que envolve a reprodução humana com a ajuda da ciência ainda é muito novo e complexo. Nós mesmos, na primeira FIV, colocamos no contrato que não doaríamos embriões excedentes. E hoje pensamos totalmente diferente: tudo que queria era ter muitos embriões para mim e para doar para quem também precisa.

Conversamos com o médico sobre essa opção, que nos explicou sobre a questão de o banco de embriões não ser muito extenso mesmo numa clínica de grande porte, e nos colocou em contato com a equipe de embriologia. Preenchemos um perfil bem genérico de nossas informações (peso, altura, cor, origem) e rapidamente tivemos retorno: encontraram dois embriões congelados com características semelhantes que poderíamos adotar.

Fiquei muito feliz! Assim quem sabe já poderia estar grávida em novembro, ainda em 2016.

Aceitei de coração mesmo essa opção e sei que ficaria plenamente feliz e realizada com meu filho (ou filhos) adotados e gerados por mim.

Só que, como tudo é muito complexo, ao mesmo tempo em que já me via grávida ainda esse ano, fiquei com algumas caraminholas na cabeça. E algo me fez repensar a ovodoação. O principal ponto foi imaginar um cenário bem radical em que meu filho nascesse ou tivesse alguma doença genética e que pudesse precisar de doação - de sangue, órgão ou medula. Nesse tipo de caso (raríssimo, eu sei, e tão provável ou improvável quanto numa gravidez natural) as clínicas são obrigadas a fornecer os contatos dos pais biológicos. Um cenário bem complexo e de muitas variáveis, que poderia ser "facilitado" pelo fato de o filho ter 50% do material genético do meu marido. Então foi pensando nisso que a ovodoação se abriu como uma possibilidade pra mim. Tenho que pensar no que é melhor para o meu filho.

Então escrevi pra embriologista que tão rapidamente encontrou os embriões congelados para adotarmos. Expliquei minhas razões, contando que ela compreenderia que tomar decisões desse tipo é algo muito difícil. E ela foi super compreensiva e gentil, nos colocando dessa vez em contato com o setor de Terceira Via da clínica - o que é responsável pela ovodoação.

Também rapidamente tivemos o retorno da enfermeira da Terceira Via, que nos enviou documentos e explicou um pouco sobre o processo. Dessa vez, ao preencher a ficha com nossos dados, anexamos também uma foto. A primeira frustração veio quando ela disse que o processo costuma levar de três a seis meses. Enquanto os embriões já estavam disponíveis para a adoção, agora teríamos que aguardar 1) uma mulher com características fenotípicas semelhantes optar por ser ovodoadora e 2) a fila, pois há muito mais mulheres aguardando para receber um óvulo doado do que para adotar um embrião.

Inicialmente isso me frustrou muito. Porque pode ser que só consigamos um óvulo depois de março do ano que vem, quando eu já tiver completado 34 anos. O que são mais seis meses para quem começou as tentativas com 29 anos? MUITO. É muito tempo. Caso dê certo e eu consiga engravidar pode ser que meu filho nasça somente em 2018.

Isso me deu realmente vontade de voltar atrás e permanecer com a opção da embriodoação. Eu não queria esperar tanto mais. Me imaginar talvez grávida ainda neste Natal acalentou meu coração. Mas depois me acalmei. Tudo isso está rolando há quase dois meses. Relutei em escrever sobre o assunto porque, como já repeti mil vezes, é tudo muito muito complexo e ainda tenho muitas dúvidas e questões. E pode ser que eu ainda mude de ideia. Até eu estar grávida com um bebê na barriga não digo que nenhuma decisão é definitiva.